Blog do Luís Perez

“O jornalista não levou a sério”, diz leitor; respondo

Luís Perez

Na semana seguinte à da publicação da reportagem na revista “São Paulo”, da Folha (24/7), foi publicada a mensagem do leitor Tico Chagas, para quem minha empreitada dirigindo como motorista parceiro da Uber não foi “levada a sério”, pois ninguém faz apenas uma viagem por dia.

Bem, respondo. Logicamente o leitor é induzido a dividir o valor total faturado (arredondando, R$ 1.200) pelo período (três meses), a contar pela aprovação do jornalista como motorista parceiro até a produção do texto. Essa conta de fato leva a uma visão distorcida. “O quê? R$ 400 por mês?”, perguntam alguns. Sim, mas não é essa a conta que deve ser feita.

Correto é dividir o valor faturado pelo número de viagens (pouco mais de R$ 12 por viagem) – e é isso mesmo. O X paga em média R$ 12 a R$ 13, enquanto o Black rende R$ 20 a R$ 21. Dirigi 90% a 95% o X, que é mais demandado. Quanto à média baixa, é simples explicar: eu dirigia nas horas vagas.

Às vezes passava uma semana inteira sem dirigir, uma vez que, na “vida real”, sou jornalista automotivo, o que envolve diversos eventos e viagens. Dirigia quando tinha tempo. No sábado, dia 18 de junho, por exemplo, segui a jornada muito comum a motoristas que fazem da Uber seu ganha-pão: realizei dez viagens e faturei R$ 154,43, ganho até acima da média. Mas ouvi dizer tem muita gente largando o trabalho às 18h e dirigindo “até inteirar R$ 100”.

Aplicativo de motorista parceiro da Uber on-line

Aplicativo de motorista parceiro da Uber on-line

Ou para “fazer um troquinho”, caso do engenheiro de uma grande incorporadora com quem conversei. Ele planejava para dali a um ano uma viagem aos Estados Unidos, sem que tivesse de colocar a mão no salário que leva para casa como profissional contratado. Em um ano, planejava ganhar quase R$ 5.000, o suficiente para bancar passagem e hospedagem. Ora, foi praticamente o que eu faturei (R$ 400 por mês, R$ 4.800 em um ano…).

Então o leitor pergunta: “Afinal, então, ‘uberar’ vela a pena?”. Respondo: depende. Se com a crise você perdeu seu emprego e não tem de onde tirar para pagar sua contas, vale sim. Mas, se você pensa em largar um emprego em que ganha no mínimo R$ 5.000, é melhor fazer as contas. No X é tranquilo faturar entre R$ 3.000 e R$ 5.000 mensais trabalhando de 12 a 14 horas por dia. No Black essa conta pode atingir entre R$ 7.000 e R$ 10 mil por mês. Entram então em ação as famosas aulas do professor de finanças Samy Dana: será que a conta fecha? Para rodar na Uber, o carro tem de ser econômico e ter um custo de manutenção baixo.

Veículos premium (os aceitos na categoria Black) têm custos fixos de manutenção elevada e invariavelmente motores mais potentes (e que consomem mais combustível). É preciso calcular tudinho. Não adianta comprar um carro mais velho para rodar na X se ele é beberrão – caso de um motorista revoltado que peguei certa vez. Ele vociferava: “Vou sair logo disso, é uma roubada”. Ele dirigia um carro mais antigo, que no preço de aquisição parecia tentador, mas que fazia 5 km/l ou menos na cidade.

Isso tudo enquanto os motoristas não ficarem obsoletos em razão dos carros completamente autônomos, como a empreitada levada a cabo entre a Volvo e a Uber (leia aqui).