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Uber não esconde: função de motorista está com dias contados
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Luís Perez

Fabricantes de automóveis já começaram a cravar datas para sair às ruas com veículos autônomos – pelo menos nos Estados Unidos e Europa.

Ford fornece como data provável o ano de 2021. Ou seja, o ofício de motorista parece estar com os dias contados.

Ao se unir com a Volvo para desenvolver um veículo 100% autônomo, anunciando o feito aos quatro ventos (leia aqui), a Uber demonstra que o sorriso daquele senhor na página da empresa que diz “Ganhe dinheiro em seu próprio horário” tem data marcada para se apagar.

Uber: sorriso com dias contados

Uber: sorriso com dias contados

Parece que os motoristas parceiros perderão a fonte de renda assim como os funcionários de cassino no Brasil em 30 de abril de 1946 – com uma canetada do então presidente, Eurico Gaspar Dutra. Quem exerce tal atividade hoje precisa urgentemente se reinventar.

A Uber não esconde. Ainda assim, para alguns, é preciso desenhar.


“O jornalista não levou a sério”, diz leitor; respondo
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Luís Perez

Na semana seguinte à da publicação da reportagem na revista “São Paulo”, da Folha (24/7), foi publicada a mensagem do leitor Tico Chagas, para quem minha empreitada dirigindo como motorista parceiro da Uber não foi “levada a sério”, pois ninguém faz apenas uma viagem por dia.

Bem, respondo. Logicamente o leitor é induzido a dividir o valor total faturado (arredondando, R$ 1.200) pelo período (três meses), a contar pela aprovação do jornalista como motorista parceiro até a produção do texto. Essa conta de fato leva a uma visão distorcida. “O quê? R$ 400 por mês?”, perguntam alguns. Sim, mas não é essa a conta que deve ser feita.

Correto é dividir o valor faturado pelo número de viagens (pouco mais de R$ 12 por viagem) – e é isso mesmo. O X paga em média R$ 12 a R$ 13, enquanto o Black rende R$ 20 a R$ 21. Dirigi 90% a 95% o X, que é mais demandado. Quanto à média baixa, é simples explicar: eu dirigia nas horas vagas.

Às vezes passava uma semana inteira sem dirigir, uma vez que, na “vida real”, sou jornalista automotivo, o que envolve diversos eventos e viagens. Dirigia quando tinha tempo. No sábado, dia 18 de junho, por exemplo, segui a jornada muito comum a motoristas que fazem da Uber seu ganha-pão: realizei dez viagens e faturei R$ 154,43, ganho até acima da média. Mas ouvi dizer tem muita gente largando o trabalho às 18h e dirigindo “até inteirar R$ 100”.

Aplicativo de motorista parceiro da Uber on-line

Aplicativo de motorista parceiro da Uber on-line

Ou para “fazer um troquinho”, caso do engenheiro de uma grande incorporadora com quem conversei. Ele planejava para dali a um ano uma viagem aos Estados Unidos, sem que tivesse de colocar a mão no salário que leva para casa como profissional contratado. Em um ano, planejava ganhar quase R$ 5.000, o suficiente para bancar passagem e hospedagem. Ora, foi praticamente o que eu faturei (R$ 400 por mês, R$ 4.800 em um ano…).

Então o leitor pergunta: “Afinal, então, ‘uberar’ vela a pena?”. Respondo: depende. Se com a crise você perdeu seu emprego e não tem de onde tirar para pagar sua contas, vale sim. Mas, se você pensa em largar um emprego em que ganha no mínimo R$ 5.000, é melhor fazer as contas. No X é tranquilo faturar entre R$ 3.000 e R$ 5.000 mensais trabalhando de 12 a 14 horas por dia. No Black essa conta pode atingir entre R$ 7.000 e R$ 10 mil por mês. Entram então em ação as famosas aulas do professor de finanças Samy Dana: será que a conta fecha? Para rodar na Uber, o carro tem de ser econômico e ter um custo de manutenção baixo.

Veículos premium (os aceitos na categoria Black) têm custos fixos de manutenção elevada e invariavelmente motores mais potentes (e que consomem mais combustível). É preciso calcular tudinho. Não adianta comprar um carro mais velho para rodar na X se ele é beberrão – caso de um motorista revoltado que peguei certa vez. Ele vociferava: “Vou sair logo disso, é uma roubada”. Ele dirigia um carro mais antigo, que no preço de aquisição parecia tentador, mas que fazia 5 km/l ou menos na cidade.

Isso tudo enquanto os motoristas não ficarem obsoletos em razão dos carros completamente autônomos, como a empreitada levada a cabo entre a Volvo e a Uber (leia aqui).


Virei uber sim, e daí!?
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Luís Perez

Quando dizia a algumas pessoas que pretendia como hobby dirigir para a Uber, elas torciam o nariz. “Você fez jornalismo, história, pós-graduação…” Típico de uma cultura limitada, algo muito comum por aqui, que enxerga trabalhos que teoricamente exigem menos discernimento intelectual como algo menor, quase desprezível, “coisa de serviçal”.

Nos anos 50 ter na parede um diploma de advogado, engenheiro ou médico era tido como “garantia de uma vida confortável”. A história mostra que isso estava errado – o que não pode de maneira nenhuma servir como desculpa para tirar a criança da escola “porque precisa ajudar em casa” ou desprezar (mais do que já o é) a produção de conhecimento. O Brasil é um dos países ditos “emergentes” dos que mais necessitam de pesquisa e desenvolvimento. E que estimula muito mais do que deveria a tal “escola da vida”.

Dadinho, iguaria chic que ofereço no meu Uber...

Dadinho, iguaria chic que ofereço no meu Uber…

Uma coisa é ser um intermediário, um atravessador, um burocrata e ganhar muito dinheiro porque vende facilidades para sua indústria de dificuldades. Ou exercer como atividade principal algo que em menos tempo do que se imagina será substituído por um robô, que não fica doente, não reclama e principalmente não move processos trabalhistas. Outra coisa é arejar a cabeça mergulhando em um universo fascinante que tem a ver com mobilidade, tecnologia e comportamento humano.

A quem critica o jornalista que pretende virar motorista nas horas vagas, faço a analogia: será que o físico nuclear que mantém uma marcenaria na garagem de casa e lá produz mesas, cadeiras e outros objetos receberia o mesmo tipo de desprezo?

De resto, a primeira das reportagens sobre minha experiência como motorista parceiro da Uber está aqui!


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